EMENTA: CONSTITUCIONAL E CIVIL - AÇÃO DE GUARDA DE MENOR - GUARDA COMPARTILHADA - RELAÇÃO CONFLITUOSA ENTRE OS GENITORES - IMPOSSIBILIDADE - RISCO DE OFENSA AO PRINCÍPIO QUE TUTELA O MELHOR INTERESSE DO INFANTE - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO - PROVIMENTO DA IRRESIGNAÇÃO - INTELIGÊNCIA DO ART. 227 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E ARTS. 1.583 E 1.584 DO CÓDIGO CIVIL, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.698/2008. A guarda compartilhada não pode ser exercida quando os guardiões possuem uma relação conflituosa, sob o risco de se comprometer o bem-estar dos menores e perpetuar o litígio parental. Na definição de guarda de filhos menores, é preciso atender, antes de tudo, aos interesses deles, retratado pelos elementos informativos constantes dos autos.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0775.05.004678-5/001 - COMARCA DE CORAÇÃO DE JESUS - APELANTE(S): J.F.A.P. - APELADO(A)(S): G.G.F. - RELATOR: EXMO. SR. DES. DORIVAL GUIMARÃES PEREIRA
ACÓRDÃO
(SEGREDO DE JUSTIÇA)
Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REJEITAR PRELIMINAR E DAR PROVIMENTO.
Belo Horizonte, 07 de agosto de 2008.
DES. DORIVAL GUIMARÃES PEREIRA - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. DORIVAL GUIMARÃES PEREIRA:
VOTO
Trata-se de Apelação interposta por J. F. A. P. em face da sentença de fls. 70/72-TJ que, nestes autos de AÇÃO ORDINÁRIA DE GUARDA ajuizada em desfavor de G. G. F., julgou parcialmente procedentes os pedidos exordiais, para determinar às partes o exercício da guarda compartilhada de seus filhos, objetivando a Autora a sua reforma, suscitando prefacial de sua nulidade, por ser "extra petita", eis que julgou a lide fora do objeto descrito na peça vestibular e, quanto ao mérito, aduz, resumidamente, que o genitor não reúne condições para exercer a guarda dos menores, conforme demonstrado na prova constante do feito, tudo consoante as argumentações desenvolvidas nas razões de fls. 78/80-TJ.
Conheço do recurso, por atendidos os pressupostos que regem sua admissibilidade.
Cuidam os autos de pedido de regularização de guarda do menor G. P. G., pois consta da peça exordial que, conquanto os seus genitores tivessem realizado acordo extrajudicial, sobre "Dissolução de Sociedade de Fato com Guarda e Pensão Alimentícia" (fls. 07/08-TJ), estabelecendo que a guarda dos filhos fosse exercida pela Postulante, ou seja, inclusive do outro filho do casal, É. P. G., o pai se nega a devolver a primeira criança.
Diante do indispensável intróito, procedo ao exame da prefacial de nulidade do "decisum" monocrático, suscitada pela Recorrente, por entender que o digno Julgador de origem apreciou a demanda fora dos limites por ele pleiteados.
Contudo, não vislumbro que a guarda compartilhada dos filhos pelas partes, possa caracterizar um julgamento "extra petita", mormente, porque no presente feito somente poderia se admitir a ocorrência de nulidades que causassem prejuízos aos infantes, eis que no procedimento de guarda as regras instrumentais também se subjugam ao princípio do melhor interesse do menor.
Aliás, lúcido é o entendimento esposado pelo eminente Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, quando ainda compunha o colendo STJ, segundo o qual:
"(...) em se tratando de interesse de menores é de se convir pela relativização dos aspectos processuais, sobretudo em face dos interesses do menor, como determina a legislação vigente (ECA, art. 6º, LICC, art. 5º) (...)" (REsp. nº 158.920/SP, j. 23.03.1999, "DJ" 24.05.1999, p. 172).
Acresça-se, ainda, que, na espécie, a guarda compartilhada traduz, exatamente, o conteúdo do núcleo do dispositivo sentencial, ou seja, a procedência parcial do pedido vestibular, que não configura julgamento diverso do postulado.
Rejeito, portanto, a preliminar.
"Circa meritum causae", objetiva a Recorrente que a guarda dos seus filhos lhe seja devolvida, pois não há provas de que esteja impossibilitada para o exercício do "múnus", salientando, ainda, a impossibilidade do genitor para ser guardião dos infantes.
Compulsando detidamente o processado, também chego à idêntica conclusão emanada pelo digno Julgador monocrático e do próprio representante do Ministério Público (fls. 64/65-TJ), no sentido de que, tanto o Estudo Social realizado (fls. 14/16-TJ), quanto as provas testemunhais de fls. 66/69-TJ, demonstram que ambos os genitores estão aptos a exercer a guarda do menor, G. P. G., que, infelizmente, é objeto de disputa parental.
Todavia, não vislumbro como adequada a solução contida no julgado fustigado, no sentido de que as partes exerçam guarda compartilhada dos seus filhos, posto que não há no caso concreto viabilidade dos genitores exercem, conjuntamente, os deveres de guardiões dos menores.
Ora, o instituto da guarda compartilhada, recentemente definido pela Lei nº 11.698/2008, que alterou os arts. 1.583 e 1.584 ambos do Código Civil, também fora acolhido pela Carta Constitucional, que prevê a igualdade entre o homem e a mulher (art. 5º, I), que possuem idênticos direitos e deveres inerentes à sociedade conjugal (art. 226, § 5º), que exige de ambos uma paternidade responsável (art. 226, § 7º), bem como pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que se submetem ao princípio do melhor interesse do menor, prevendo lhe tutela integral que garanta o direito de "ser criado e educado no seio de sua família" (art. 19 do ECA).
Portanto, a novel Lei vem corroborar as definições doutrinárias acerca da natureza e da finalidade deste instituto da guarda compartilhada, que assim é conceituada como:
"A guarda compartilhada é um modelo que elegeu os interesses do menor como fundamento para reduzir os efeitos patológicos que o impacto da separação possa ocasionar, gerando sofrimentos negativos durante a formação da criança" (MARIA CLAUDIA CRESPO BRAUNER, "in" "O direito de família: Descobrindo Novos Caminhos", Ed. La Salle, São Leopoldo, 2001, p. 244).
Por sua vez, define ROSÂNGELA PAIVA EPAGNOL em seu trabalho sobre o tema, que:
"A guarda compartilha de filhos menores, é o instituto que visa a participação em nível de igualdade dos genitores nas decisões que se relacionam aos filhos, é a contribuição justa dos pais, na educação e formação, saúde moral e espiritual dos filhos, até que estes atinjam a capacidade plena, em caso de ruptura da sociedade familiar, sem detrimento, ou privilégio de nenhuma das partes" ("in" "FILHOS DA MÃE (UMA REFLEXÃO À GUARDA COMPARTILHADA", Artigo publicado no "Juris Síntese" nº 39, jan./fev. de 2003).
Continua o dedicado estudo:
"Não poucas pessoas envolvidas no âmbito da guarda de menores, vislumbram um vínculo entre a Guarda compartilhada e guarda alternada, ora, nada há que se confundir, pois, uma vez já visto os objetos do primeiro instituto jurídico, não nos resta dúvida que dele apenas se busca o melhor interesse do menor, que tem por direito inegociável a presença compartilhada dos pais, e nos parece que, etimologicamente o termo compartilhar, nos traz a idéia de partilhar + com = participar conjuntamente, simultaneamente. Idéia antagônica à guarda alternada, cujo teor o próprio nome já diz. Diz-se de coisas que se alternam, ora uma, ora outra, sucessivamente, em que há revezamento. Diz-se do que ocorre sucessivamente, a intervalos, uma vez sim, outra vez não. Aliás, tal modelo de guarda não tem sido aceita perante nossos tribunais, pelas suas razões óbvias, ou seja, ao menor cabe a perturbação quanto ao seu ponto de referência, fato que lhe traz perplexidade e mal estar no presente, e no futuros danos consideráveis á sua formação no futuro. Como nos prestigia o dizer de Grisard Filho ( 2002) "Não há constância de moradia, a formação dos hábitos deixa a desejar, porque eles não sabem que orientação seguir, se do meio familiar paterno ou materno. (GRISARD FILHO, Waldir. Guarda Compartilhada. Revista dos Tribunais, 2ª ed., 2002, p. 190)." (...)" (op. cit.).
Neste contexto, verifica-se que a guarda compartilhada somente poderá ser exercida quando os guardiões possuem uma relação cordata, como acertadamente se colhe das decisões pretorianas, segundo as quais:
"ALTERAÇÃO DE GUARDA, DE VISITAÇÃO E DE ALIMENTOS. GUARDA COMPARTILHADA. LITÍGIO ENTRE OS PAIS. DESCABIMENTO.
1. Não é a conveniência dos pais que deve orientar a definição da guarda, mas o interesse do filho.
2. A chamada guarda compartilhada não consiste em transformar o filho em objeto, que fica a disposição de cada genitor por um semestre, mas uma forma harmônica ajustada pelos genitores, que permita ao filho desfrutar tanto da companhia paterna como da materna, num regime de visitação bastante amplo e flexível, mas sem que o filho perca seus referenciais de moradia. Para que a guarda compartilhada seja possível e proveitosa para o filho, é imprescindível que exista entre os pais uma relação marcada pela harmonia e pelo respeito, onde não existam disputas nem conflitos.
3. Quando o litígio é uma constante, a guarda compartilhada é descabida. Recurso desprovido" (TJRS - 7ª CC, Apelação Cível nº 70005760673, Rel. Des. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES, j. 12.03.2003).
"Não mais se mostrando possível a manutenção da guarda do menor de forma compartilhada, em razão do difícil relacionamento entre os genitores, cumpre ser definitivada em relação à genitora, que reúne melhores condições de cuidar, educar e zelar pelo filho, devendo, no primeiro grau, ser estabelecido o direito de vista. Apelo provido" (TJRS - 8ª CC, Apelação Cível nº 70005127527, Rel. Des. ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA, j. 18.12.2003).
No mesmo sentido, é o entendimento deste eg. Sodalício, como se vê do aresto adiante colacionado, e da Relatoria do saudoso Des. LAMBERTO SANT'ANA:
"GUARDA DE MENOR COMPARTILHADA - IMPOSSIBILIDADE - PAIS RESIDINDO EM CIDADES DISTINTAS - AUSÊNCIA DE DIÁLOGOS E ENTENDIMENTO ENTRE OS GENITORES SOBRE A EDUCAÇÃO DO FILHO - GUARDA ALTERNADA - INADMISSÍVEL - PREJUÍZO À FORMAÇÃO DO MENOR. A guarda compartilhada pressupõe a existência de diálogo e consenso entre os genitores sobre a educação do menor. Além disso, guarda compartilhada torna-se utopia quando os pais residem em cidades distintas, pois aludido instituto visa à participação dos genitores no cotidiano do menor, dividindo direitos e obrigações oriundas da guarda. O instituto da guarda alternada não é admissível em nosso direito, porque afronta o princípio basilar do bem-estar do menor, uma vez que compromete a formação da criança, em virtude da instabilidade de seu cotidiano. Recurso desprovido" (3ª CC, Apelação Cível nº 1.0000.00.328063-3/000, j. 11.09.2003, "DJ" 24.10.2003).
Induvidosamente, a guarda compartilhada, no caso concreto, é impossível, pois, os genitores do menor não conseguem ter o mínimo de diálogo, preferindo, aliás, estender o conflito a realizar uma composição que evitasse maiores danos ao filho, como se verifica da ata da audiência de conciliação de fls. 29/30-TJ.
Corrobora o afirmado a prova testemunhal e o laudo pericial, que noticiam a litigiosa relação das partes, conhecida publicamente pela comunidade, chegando ao ponto de impossibilitar aos infantes que estão sob sua guarda de fato, que convivam com o outro genitor, promovendo, inclusive, um distanciamento na relação dos irmãos, segundo as quais:
"que sabe informar a depoente da tristeza do pequeno G. em razão de seu genitor não deixá-lo nem pedir a benção à sua mãe" (depoimento prestado por A. S. S., fls. 66-TJ.
"Há cerca de oito meses, segundo a Sra. J., G. encontra-se em poder do pai. A partir de então, como o requerido não aceita que G. visite a mãe, essa passou a impedir que E. visite o pai. Assim, as partes passaram a se relacionarem através do conflito instalado, sendo esse de conhecimento público da comunidade de São João da Lagoa" (estudo social, fls. 16-TJ).
Aliás, as considerações finais contidas no estudo social realizado informam, ainda, que "não existe comunicação entre os litigantes, fato esse que inviabiliza as partes de pactuarem qualquer entendimento em relação a guarda dos filhos, devendo a mesma ocorrer por força judicial" (fls. 16-TJ).
Diante deste quadro conflituoso da relação entre as partes, por óbvio, que não se pode admitir qualquer partilha na guarda, sob risco de comprometer, severamente, o bem-estar dos menores e perpetuar o litígio parental.
Por sua vez, constam dos autos elementos que revelam que a mãe possui maiores condições de exercer a guarda, em observância aos melhores interesses dos menores, primeiro, porque neste sentido apontou o laudo social entabulado, que, aliás, coaduna com o entendimento do "Parquet" (fls. 64/65-TJ), segundo, porque a Irresignante é que demonstrou interesse em ficar com a guarda dos dois filhos, mantendo a sua tutela, uma vez que evita a separação dos irmãos e cumpre o preceito constitucional que garante à criança o direito à família.
Pelo exposto, rejeito a preliminar e dou provimento à Apelação interposta para, em conseqüência, reformar a sentença monocrática, julgando procedentes os pedidos exordiais, impondo a guarda dos menores G. P. G. e É. P. G. à Autora, concedendo ao Réu o direito de visitas aos seus filhos, em fim de semanas, alternados, quinzenalmente, podendo retirá-los às sextas-feiras às 18hs. e devolvê-los aos domingos, no mesmo horário, assim como a comemoração dos dias das mães, fim de semana em que as crianças deverão ficar com a genitora, podendo, ainda, o Requerido ter os filhos em sua companhia sempre nos dias dos pais e, nos feriados, natal, reveillon, carnaval, páscoa e nos seus aniversários, alternadamente a cada data, começando pelo genitor, no próximo feriado, quando também poderá retirar os infantes às 18hs. do dia anterior e devolvê-los no mesmo horário da data do seu término; invertidos os ônus sucumbenciais, suspensa sua exigibilidade, por estar o Requerido litigando sob o pálio da justiça gratuita (art. 12, "in fine", da Lei nº 1.060/1950).
Custas recursais, pelo Apelado, que também ficam suspensas.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): MARIA ELZA e NEPOMUCENO SILVA.
SÚMULA : REJEITARAM PRELIMINAR E DERAM PROVIMENTO.
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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